INCONSTITUCIONALIDADES PALÉRMICAS - DETENÇÕES
- hpap87
- 26 de jan. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 6 de abr. de 2021

"RESPONSABILIDADE CRIMINAL DAS FORÇAS POLICIAIS NO CASO DE DETENÇÃO DE CIDADÃOS POR VIOLAÇÃO DO CONFINAMENTO OBRIGATÓRIO
A liberdade é imanente ao ser humano e, como tal, constitui um direito fundamental consagrado em todas as cartas constitucionais dos países ocidentais de base humanista e delineadas em torno do princípio da dignidade da pessoa humana.
Tal encontra-se, aliás, reflectido em instrumentos de direito internacional, tais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 1.º a 14.º), o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (artigo 9.º), a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 5.º) e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 6.º), entre outros.
A Constituição da República Portuguesa não é excepção ao infra referido, consagrando o princípio da dignidade da pessoa humana logo no seu artigo 1.º, como alicerce fundamental do Estado, e afirmando o respectivo artigo 27.º, n.º 1, que “Todos têm direito à liberdade e à segurança”.
O n.º 2 do artigo 27.º da Constituição reitera que “Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”.
O n.º 3 do mesmo artigo, por sua vez, enumera um conjunto de excepções ao princípio da liberdade individual, que são as seguintes:
- Detenção em flagrante delito;
- Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
- Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;
- Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;
- Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;
- Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente;
- Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários;
- Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.
É tal a gravidade da privação da liberdade de uma pessoa à margem do que se encontra disposto no artigo 27.º da Constituição que o respectivo n.º 5 faz recair sobre o Estado a responsabilidade de indemnizar o lesado.
Ora, não se encontra previsto no artigo 27.º da Constituição, e tampouco na lei, a possibilidade de detenção determinada por autoridade de saúde para efeitos de “confinamento obrigatório”, tal como consta do artigo 3.º do Decreto da Presidência do Conselho de Ministros n.º 3-C/2021, de 22 de Janeiro (que carece de força de lei), que veio regulamentar o estado de emergência, à semelhança do que já ocorria nos decretos anteriores.
Por sua vez, o artigo 255.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, estabelece claramente que a detenção em flagrante delito só pode ter lugar no caso de crime punível com pena de prisão, no que seguramente não se enquadra o caso de violação do “confinamento obrigatório”.
Traduzindo-se materialmente numa detenção, o “confinamento obrigatório” não apenas se mostra grosseiramente inconstitucional – orgânica e materialmente –, como também colide de forma clamorosa com as disposições processuais penais sobre a matéria.
Isso encontra-se, aliás, plasmado, de forma cristalina, nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/11/2020, do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/11/2020 e na decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Instrução Criminal de Sintra, Juiz 2, de 03/12/2020.
A inconstitucionalidade supra referida é de tal forma grosseira que o artigo 3.º do Decreto da Presidência do Conselho de Ministros n.º 3-C/2021, de 22 de Janeiro, deve considerar-se como não escrito, ou seja, como juridicamente inexistente.
Por consequência, não pode haver lugar à identificação de pessoas que não se encontrem a acatar o confinamento obrigatório e muito menos à detenção das mesmas.
Há linhas que as forças de segurança pública não devem nem podem ultrapassar, sob pena de incorrer em responsabilidade civil e criminal. Esse é o caso da identificação e detenção de pessoas em virtude do não acatamento do inexistente “confinamento obrigatório”.
Se a Constituição e o Código de Processo Penal tivessem sido alterados de forma a abarcar o “confinamento obrigatório” ainda poderia haver margem para discussão, mas mesmo assim sem olvidar a doutrina que mereceu vencimento nos famosos julgamentos de Nuremberga.
Agora, com base num mero decreto da Presidência do Conselho de Ministros é indubitável a ilegalidade da actuação das forças de segurança no âmbito do “confinamento obrigatório”, ilegalidade essa seguramente relevante para efeitos do preenchimento do crime tipificado no artigo 382.º do Código Penal, nos termos do qual:
“O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
Encontra-mo-nos já a redigir denúncias criminais por força da actuação de agentes policiais, para o que não necessitamos sequer de procuração das vítimas, posto que se trata de crime público. Não hesitaremos em fazê-lo sempre que alguém nos contacte para o efeito de nos apresentar algum caso (preservaremos sempre o anonimato de quem entrar em contacto connosco).
-------------
Fonte: Juristas Pela Verdade
COMO PROCEDER NO CASO DE FISCALIZAÇÃO POLICIAL POR NÃO CUMPRIMENTO DO “DEVER DE RECOLHIMENTO DOMICILIÁRIO”
Tivemos, na publicação imediatamente anterior a esta, a oportunidade de abordar o tema do “confinamento obrigatório”, sob a óptica do direito à liberdade, concluindo pela responsabilidade criminal dos agentes de forças policiais que procedam à identificação ou detenção de cidadãos por uma putativa violação daquele confinamento.
O “dever geral de recolhimento domiciliário”, da forma como se encontra previsto no artigo 4.º, n.º 1, do Decreto da Presidência do Conselho de Ministros n.º 3-C/2021, de 22 de Janeiro, traduz-se igualmente numa severa restrição do direito à liberdade, em termos quase análogos ao famigerado “confinamento obrigatório”, e, portanto, ao arrepio do disposto no artigo 27.º da Constituição e das disposições processuais penais referentes à detenção.
O poder político – no nosso caso, sebento, oligárquico e corrupto – não pode ter a pretensão de colocar uma população inteira em detenção domiciliária.
Se nem em tempo de guerra isso ocorre, ou, pelo menos, com a extensão ora vista, muito menos pode ter lugar no âmbito de um estado de emergência materialmente inconstitucional, posto que assente em dados falsos ou, pelo menos, manipulados.
Afigura-se-nos altamente duvidosa a legitimidade de qualquer ordem emanada de autoridade policial para efeitos do cumprimento das normas constantes do Decreto da Presidência do Conselho de Ministros n.º 3-C/2021, de 22 de Janeiro, sobretudo no que tange aos respectivos artigos 3.º e 4.º, mais ainda porque nos parece ter aquele extravasado a autorização regulamentar ao dispor nos termos constante do 41.º, n.º 1, alínea d) (assunto a que desenvolveremos oportunamente).
O direito de resistência, consagrado no artigo 21.º da Constituição serve justamente como mecanismo de defesa dos cidadãos contra ordens que ofendam os seus direitos, liberdades e garantias, devendo as forçar policiais actuar com a máxima cautela para não incorrer na prática do crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal.
Sendo nossa intenção aqui informar os nossos seguidores e ajudá-los de forma a conferir-lhes uma sensação de protecção contra a ditadura sanitária implementada, não desejamos, por outro lado, que os mesmos caiam em qualquer situação de hostilidade aberta com as forças policiais.
No contexto acima mencionado, o nosso conselho para quem for fiscalizado pelo não cumprimento do “dever de recolhimento domiciliário” é o seguinte:
1 – Não mentir (temos o direito de sair à rua sem ter que inventar uma história para o efeito);
2 – Tratar os agentes de forma urbana, mesmo que o inverso não se verifique;
3 – Pedir e anotar a identificação profissional dos agentes, bem como a esquadra ou posto a que pertencerem;
4 – Prestar a identificação – se assim for solicitado – para efeitos de autuação pela contra-ordenação prevista nos artigos 2.º, alínea a), e 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de Junho;
5 – Exercer o direito de defesa no âmbito do processo administrativo contra-ordenacional (iremos disponibilizar uma minuta);
6 – Nada aconselhamos relativamente à cominação pelo crime de desobediência, havendo que levar em consideração que o seu não acatamento poderá dar lugar a detenção.
-------------
Fonte: Juristas Pela Verdade
-> minutas para todos 15.ª edição
Comments